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Biomassa

Restos orgânicos de peixes podem se tornar matéria-prima para plástico

O óleo das vísceras e dos ossos dos animais é matéria-prima para a produção de poliuretano, material muito utilizado nas indústrias

Restos orgânicos de peixes podem se tornar matéria-prima para plástico

É difícil imaginar um mundo sem o poliuretano (PU). Esse material está presente na fabricação de móveis, bolsas, sapatos, roupas, telhas e outra infinidade de objetos. Porém, além do acúmulo de lixo plástico, ele é derivado do petróleo bruto e, no processo de sintetização, produz um alto nível de gases tóxicos. Para enfrentar o problema, duas pesquisadoras da Universidade Memorial de Newfoundland, no Canadá, conseguiram produzir uma alternativa a partir de uma fonte curiosa: restos de peixes que, de outra forma, acabariam no lixo.

“Acho interessante como podemos fazer algo útil, algo que pode até mudar a forma como os plásticos são feitos, a partir de resíduos que as pessoas simplesmente jogam fora”, diz Mikhailey Wheeler, estudante de graduação e coautora do estudo. Ela e a professora Francesca Kerton apresentaram o trabalho em uma coletiva de imprensa, na semana passada, no encontro de primavera da Sociedade Norte-Americana de Química, que vai até 30 de abril.

Kerton destaca que a pesquisa ainda está em fase inicial, mas diz que, se for possível produzir o plástico à base de óleo de vísceras dos peixes, isso terá um impacto ambiental significativo. “É importante que comecemos a projetar plásticos com um plano de fim da vida útil, seja pela degradação química que transforma o material em dióxido de carbono e água, seja por reciclagem e reaproveitamento.”

A cientista explica que o método convencional de produção de poliuretanos traz uma série de problemas ambientais e de segurança. “Requer petróleo bruto, um recurso não renovável, e fosgênio, um gás incolor e altamente tóxico. A síntese gera isocianatos, irritantes respiratórios em potencial. Além disso, o produto final não se decompõe facilmente no meio ambiente”, diz. Outro problema é que, na degradação do material, são liberados compostos cancerígenos. “Enquanto isso, a demanda por alternativas mais verdes está crescendo.”

A busca por poliuretanos feitos a partir de óleos alternativos, como os vegetais, já apresentou bons resultados. Contudo, Mikhaliley Wheeler e Francesca Kerton queriam uma solução que não competisse com a produção agrícola. Por isso, pensaram em encontrar a matéria-prima na cabeça, nas vísceras e nos ossos de peixes. Na região onde as pesquisadoras vivem, na costa de Newfoundland, a criação de salmão é um importante componente da economia local. Depois que o peixe é processado para a venda, as partes que sobram vão para o lixo, embora eventualmente o óleo seja extraído antes do descarte.

As pesquisadoras, então, desenvolveram um processo para converter o óleo de peixe em um polímero semelhante ao poliuretano. Primeiro, elas adicionam oxigênio ao material para formar epóxidos, moléculas semelhantes às da resina epóxi. Depois de reagir esses compostos com dióxido de carbono, as cientistas ligaram as moléculas resultantes do processo com aminas contendo nitrogênio, com o objetivo de formar o novo material. O método foi descrito em um artigo científico em agosto do ano passado. Desde então, foi aprimorado. As aminas, por exemplo, foram trocadas por aminoácidos, simplificando o processo.

Vida útil
Em outros experimentos, as pesquisadoras começaram a investigar a rapidez com que o novo material provavelmente se degradaria no fim da vida útil. Wheeler embebeu pedaços do plástico em água, e, para acelerar a degradação, adicionou lipase, uma enzima capaz de quebrar gorduras como as do óleo de peixe. “Sob um microscópio, mais tarde, observamos um crescimento microbiano em todas as amostras, mesmo aquelas que estavam em água pura, um sinal de que o novo material pode se biodegradar prontamente”, diz Wheeler.

Kerton e Wheeler planejam continuar testando os efeitos do uso de um aminoácido na síntese e estudando até que ponto o material é receptivo ao crescimento microbiano que pode acelerar sua degradação. Elas também pretendem testar as propriedades físicas para verificar o potencial de aplicação do plástico em produtos como embalagens. O cheiro do material não deve ser um problema. Segundo Kerton, no início do processo, há um cheiro leve de peixe, que desaparece nas etapas seguintes.