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Entrevista

Presidente da EPE fala sobre cenário atual e as perspectivas para distribuição energética no Brasil

Em entrevista Luiz Augusto Barroso ressalta os desafios e as tendências so setor no mercado brasileiro

Presidente da EPE fala sobre cenário atual e as perspectivas para distribuição energética no Brasil

Luiz Augusto Barroso assumiu a Presidência da EPE em julho de 2016. Tem graduação em Matemática e Mestrado e Doutorado em Pesquisa Operacional (otimização). Desde 2013 é também Pesquisador Associado do Instituto de Investigación Tecnológica (IIT) da Universidad Pontificia Comillas (Madri, Espanha). 

Durante a carreira, foi diretor técnico da Consultoria PSR, onde trabalhou por 18 anos, coordenando estudos em mais de 30 países nas Américas, Europa e Ásia. Desde 2010 ministra aulas na Summer School of Regulation of Energy Utilities da Florence School of Regulation (FSR), em Florença, Itália. É também Senior Member na IEEE Power and Energy (PES) Society. 

Como está o mercado de sistema de distribuição energética no País? Quando a demanda por energia elétrica deve voltar a crescer e de que forma isso acontecerá? 

Por um lado, podemos dizer que o mercado de distribuição vive hoje um momento complicado, com a sobrecontratação das distribuidoras, explicada em grande parte pela grande migração de clientes para o mercado livre, além da conjuntura econômica desfavorável e, consequentemente, o enfraquecimento da demanda por energia. Por outro lado, nossa percepção é que o momento é bastante desafiador não só para as distribuidoras, como para todo o setor elétrico, que precisa se debruçar sobre uma série de questões como, por exemplo, a penetração de tecnologias disruptíveis e seus impactos, a tendência de ampliação do mercado livre e da autoprodução, dentre outras, que certamente, irão impactar o mercado nos próximos anos. Nossa estimativa é que a partir de 2017, o mercado de energia volte a apresentar crescimento.

Qual o cenário atual e as perspectivas para o biogás como fonte de energia no mundo e no Brasil? Qual o futuro do biogás?

 Somente 3,5% do potencial mundial são explorados, segundo a World Biogas Association. Além dos cerca de mil aterros sanitários com aproveitamento de gás, também existem biodigestores funcionando – que permitem a ocupação de um mesmo local por mais tempo, com maior captação de gás por unidade de substrato orgânico utilizada. 

 Os dados a seguir mostram os países com os maiores números de biodigestores:

China – 30 Milhões (2012) e 80 Milhões (2020) domésticos + 100.000 de grande porte;

Índia – 3,8 Milhões (2012); 

EUA –   1.540 de grande porte; 

Europa, Austrália e Brasil, a seguir, incluem diversas escalas* :

 Empresas

 

Apesar da reconhecida vocação agropecuária e das aglomerações urbanas, o Brasil pouco tem aproveitado do potencial dos substratos orgânicos disponíveis (resíduos de rebanhos confinados, dos resíduos agrícolas, dos agroindustriais e dos resíduos orgânicos urbanos – sólidos e líquidos).  

A versatilidade desse energético permite sua aplicação para eletricidade, seja na base ou para seguir carga, quando dispuser de armazenamento, assim como para combustível veicular – depois de tratado e adequado aos padrões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), estabelecidos em janeiro de 2015 –, o que possibilita evitar a importação de combustíveis fósseis, favorecendo a economia nacional e reduzindo a emissão de poluentes locais, regionais e globais, melhorando a saúde da população. 

As perspectivas são de ampliação do número de digestores. Apesar da grande participação atual de sistemas para aproveitamento elétrico do biogás, em virtude da indústria automobilística internacional ter investido na adequação de seus equipamentos pesados, como caminhões e ônibus, ao gás natural, a partir do “boom” do “shale gas”, nos Estados Unidos da América, a aplicação que reúne o maior número de vantagens é a veicular. Por isso, tende a ganhar participação de mercado, inclusive reduzindo a necessidade de transporte de grandes quantidades de combustíveis para as áreas rurais.

Qual a importância e as potencialidades do aproveitamento dos dejetos animais para a sociedade e para o produtor em relação à produção de energia elétrica? 

O biogás é uma demonstração do combate ao desperdício, pois converte resíduo – cujo tratamento adequado, ou sua ausência, custaria para a sociedade – em combustível renovável capaz de substituir outro energético. Para o produtor, é uma maneira de agregar nova receita.

Quais os projetos e pesquisas propostas pela empresa, principalmente voltados para o uso do biogás? Existem estudos para a suinocultura e os rejeitos/dejetos dos animais, principalmente, dos suínos? 

As propostas da EPE para o biogás são voltadas à substituição de importações, atendimento ao acordo de Paris e adequação do tratamento dos resíduos. Para tanto, estamos calculando o Valor de Referência para a Geração Distribuída (VR GD), que permitirá às distribuidoras de eletricidade realizarem chamadas públicas para aquisição de até 5% de sua demanda – mesmo que o momento não seja muito auspicioso, dada a sobrecontratação passa a ser uma perspectiva de médio prazo. Também está sendo analisado o estabelecimento de um programa de substituição de importação de combustíveis fósseis para veículos por biometano. Para o curto prazo, o aproveitamento para fins elétricos em sistemas de geração distribuída que atendam diretamente o consumidor final, no âmbito da Resolução 482, também está em análise.

O que já foi identificado e quantificado em relação aos potenciais dos recursos energéticos no Brasil na questão do biogás e do reaproveitamento dos dejetos? 

O potencial, de acordo com estudos publicados pela EPE, é de 100 milhões de metros cúbicos de metano por dia, equivalente ao consumo nacional de gás natural. Vale ressaltar que o biogás é produzido de forma descentralizada, visto que a agropecuária estende-se por grande parte do território nacional, o que facilita muito seu aproveitamento face ao gás natural, que requer transporte. Os resíduos urbanos devem representar 4%, a vinhaça de cana, 14%, a pecuária confinada, 35%, e os resíduos agrícolas 47% – considerados em codigestão com os da pecuária. A estimativa para o horizonte até 2050 é de que esse potencial, em função do aumento da produção agropecuária, atinja 250 Mm³/d. 

De que forma a empresa pode beneficiar e agregar para o desenvolvimento sustentável do País e a expansão do biogás para consolidar na matriz energética brasileira?

Ao inventariar o potencial, analisar a competitividade e avaliar programas de estímulo, a EPE está trabalhando para diversificar a matriz energética e aumentar a segurança energética. Com isso, coíbe a poluição local, regional e global da emissão atmosférica do biogás e dos combustíveis que esse vier a substituir, além dos danos ao solo e aos recursos hídricos que os substratos orgânicos destinados de maneira inadequada acarretam.

Pela primeira vez um projeto de biogás venceu um leilão de energia pela ANEEL. A que se deve a inserção tardia dessa energia nos leilões e qual importância para os produtores de biogás em participar dos leilões? 

A usina em voga utiliza biogás de vinhaça, processada em biodigestor, da produção de etanol, cuja biodigestão vinha sendo impedida por problemas técnicos, somente superados recentemente por investimentos em pesquisa e desenvolvimento. A principal decorrência está no fato das demais usinas de etanol passarem a ter perspectivas claras deste tipo de aproveitamento. Ainda que de forma menos direta, outros substratos também devem ser beneficiados pelos ganhos desse processo. Isso permitirá aos produtores de substrato orgânicos e aos produtores de biogás acesso ao mercado energético e às remunerações decorrentes. Em 2006, um aterro de São Paulo já tinha vencido um leilão ofertando eletricidade de biogás. Mas o gás proveniente de biodigestores é mais confiável no tocante à quantidade e ao horizonte.

Qual o impacto dessa entrada para o mercado de biogás? Como pode melhorar a geração de energia para o biogás?

O impacto desta entrada é positivo, pois estimula a instalação de biodigestores para tratamento de substratos orgânicos, sobretudo residuais. O contrato de longo prazo pode ser um incentivo para a geração de energia com biogás, mas é preciso verificar a melhor alocação face ao mercado veicular. 

O valor estipulado vai beneficiar os produtores e de que forma? Qualquer cidadão que tem interesse em produzir biogás vai poder receber por isso? 

Sim. Por meio da remuneração por um coproduto que estava sendo convertido em resíduo – ou ônus. Para participar dos leilões, é necessário atender a um conjunto de requisitos, o que requer certa estrutura comercial e, portanto, impede que qualquer cidadão candidate-se. Mas esses podem aproveitar a Resolução 482 da ANEEL e implantar sistemas de geração distribuída por meio de cooperativas de consumidores ou condomínio de geradores, sem comercialização de energia, instalando sistemas de geração conectados às linhas de distribuição e compensando seu consumo elétrico, o que é bastante atraente pelo lado financeiro.