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Política

Marina e o agronegócio - por Marcos Sawaya Jank*

Tendo participado de diversas conversas com Marina e seu grupo nos últimos cinco anos, permito-me fazer aqui uma análise das perspectivas dos temas do agronegócio à luz do seu programa de governo.

Brasil, São Paulo, SP. 08/10/2010. A candidata derrotada à Presidência da República, Marina Silva (PV), concede entrevista ao Grupo Estado, no Pacaembu, zona oeste da capital paulista. – Crédito:EVELSON DE FREITAS/AGÊNCIA ESTADO/AE/Código imagem:66945
Brasil, São Paulo, SP. 08/10/2010. A candidata derrotada à Presidência da República, Marina Silva (PV), concede entrevista ao Grupo Estado, no Pacaembu, zona oeste da capital paulista. – Crédito:EVELSON DE FREITAS/AGÊNCIA ESTADO/AE/Código imagem:66945

Marina Silva aproximou-se do agronegócio na última semana. Esteve numa importante feira do setor sucroenergético, jantou com 60 lideranças na sexta-feira e seus assessores vêm dialogando com pessoas-chave do setor.
 
Todos sabem que o agronegócio viveu momentos de atrito com Marina no período em que ela foi ministra do Meio Ambiente. Exemplos são os embates em tomo do Código Florestal e o zoneamento da soja transgênica, num momento em que produtores gaúchos plantaram variedades argentinas que ainda não haviam sido aprovadas no Brasil. Já se passaram dez anos. Desde então a Comissão Técnica de Biossegurança autorizou um amplo uso de sementes transgênicas no Brasil, a exemplo do que vem ocorrendo em quase todo o mundo. O novo Código Florestal virou lei em maio de 2012 e hoje há total consenso entre o agronegócio e a comunidade ambiental de que o desafio é implementar mais rapidamente o que foi definido.
 
Tendo participado de diversas conversas com Marina e seu grupo nos últimos cinco anos, permito-me fazer aqui uma análise das perspectivas dos temas do agronegócio à luz do seu programa de governo, recém-divulgado.
 
O programa reconhece a competência dos produtores brasileiros, os ganhos de produtividade alcançados, o fato de o País dispor da melhor tecnologia tropical do planeta e o papel salvador que o setor desempenhou na garantia do equilíbrio das contas externas. Em síntese, os principais destaques do programa são:
 
1)     Políticas tradicionais – taxas de juros mais baixas para a agricultura; continuidade das políticas de aquisição de alimentos, preços mínimos e estoques reguladores; ampliação de programas de seguro rural, cobrindo riscos climáticos e de renda; reforço das estruturas de pesquisa e controle sanitário; acesso a mercados e maior integração dos produtores familiares nas cadeias produtivas; avanço no zoneamento agroecológico e melhorias na legislação trabalhista.
 
2)     Acordos internacionais – ampliação dos acordos de comércio com os países mais relevantes para o agronegócio, independentemente do Mercosul.
 
3)     Plano ABC – o Plano de Agricultura de Baixo Carbono ganhará prioridade, recebendo mais recursos para estimular o manejo e a recuperação de pastagens e áreas degradadas e buscar a meta de “desmatamento zero”.
 
4)     Governança dos ministérios da área – segundo o texto, no mundo inteiro o Ministério da Agricultura também cuida de questões fundiárias, de florestas e de pesca. “No Brasil temos quatro ministérios cuidando desses temas, disputando o mesmo orçamento e mesmo prestígio junto ao Palácio do Planalto, ao Legislativo, à mídia e à sociedade em geral. Ainda interferem no agronegócio mais uma dezena de ministérios e duas dezenas de agências correlatas. É preciso enxugar esse emaranhado de órgãos federais que engessam as ações para o setor rural”.
 
5)     Política energética – o diagnóstico e as diretrizes apresentados são claros e corretos. O ponto de maior destaque é a prioridade de recuperar e revitalizar a produção de biocombustíveis e bioeletricidade, que não deveriam ficar a reboque da intervenção estatal em razão de políticas de controle artificial de preços da gasolina. “A intervenção do governo no setor deveria ser mínima e as regras para o desenvolvimento da energia de biomassa devem ser previsíveis e transparentes.”
 
6)     Infraestrutura e logística – o programa propõe ampliar e acelerar concessões, parcerias público-privadas e investimentos, aprimorando os marcos regulatórios, diversificando modais de transporte e aprimorando o diálogo com os investidores.
 
O programa traz temas que devem gerar embates com o setor, mas podem perfeitamente ser tratados de forma racional pelo Executivo e pelo Legislativo.
 
•         O texto reconhece a queda expressiva do desmatamento em áreas de floresta, mas menciona seu avanço em certas áreas do cerrado, afirmando “que a agropecuária brasileira não precisa mais avançar sobre novas áreas de vegetação nativa para duplicar ou até triplicar sua produção”. Creio que o agronegócio concorda plenamente com a necessidade de eliminar o desmatamento ilegal em todos os biomas. Defende, porém, o desmatamento legal de áreas férteis sob cercado, seguindo estritamente o novo Código Florestal. A solução do “desmatamento líquido zero” – desmatamento legal de áreas com aptidão agrícola compensado por reflorestamento incentivado de áreas sem aptidão – pode ajudar a resolver a questão.
 
•         A atualização dos indicadores de produtividade agrícola relacionados com o diagnóstico da função social da propriedade rural, que permitiria rápida desapropriação de terras nos casos previstos em lei ou um prêmio para quem faz uso correto da terra.
 
•         A demarcação de terras indígenas e quilombolas, prevista na Constituição, mas que causa discórdias com os agricultores nas áreas onde há disputas.
 
Na minha modesta opinião, o programa atende às principais expectativas do agronegócio. Ele afirma que a agropecuária tem uma agenda própria, que será considerada pelo novo governo, reconhecendo-se a importância do setor para o País. Marina disse ainda que o programa divulgado é um “projeto em construção” que será revisado sempre que necessário (como, aliás, já o foi no fim de semana).
 
Precisamos acabar com a falsa dicotomia que tem colocado agricultura e meio ambiente em lados opostos. O agronegócio global só sobrevive com desenvolvimento sustentável. Ele terá de produzir alimentos, bebidas, têxteis, papel, borracha e bioenergia para mais 9 bilhões de habitantes em 2050. Terá de gerar renda para quem nele trabalha e enfrentar crescentes restrições de recursos naturais e clima.
 
O mundo deposita enorme esperança no Brasil para servir como exemplo global na conciliação de questões econômicas, sociais e ambientais na agricultura. Nossa História recente mostra que estamos em posição bem superior a qualquer outro país para dar esse salto. Ou seja, há muito mais convergências do que divergências entre as agendas do agronegócio moderno e a agenda de gestão sustentável dos recursos naturais proposta por Marina Silva.