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Energia limpa

Entidades criticam Aneel por propor taxa sobre energia solar

Proposta da agência considera custos que não existem na transmissão da energia mais limpa, afirmam ABSolar e ABGD

Entidades criticam Aneel por propor taxa sobre energia solar

A energia solar é limpa, renovável e barata, uma das apostas mundiais contra a crise climática. E corre sério risco de se tornar mais cara no Brasil e até deixar de ser produzida, afirmam a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSolar) e Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD). A produção será inviabilizada, caso a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) coloque em vigor sua proposta que onera a geração distribuída (GD), em que estão mini e microgeradores de energia fotovoltaica, avaliam as duas. Segundo as entidades, a agência se baseia em custos que não incidem em sua distribuição e transmissão e distorcem o debate, que deve ser público, mas ainda não alcançou a população.

Os efeitos desta cobrança serão econômicos e ambientais. E podem afetar toda a cadeia do setor, formada por mais de 100 mil participantes, entre fabricantes de placas, inversores e empresas e consumidores que produzem a própria eletricidade para consumo. É energia que beneficia escolas, hospitais, prefeituras, serviços estaduais, pequenos comércios, pequenas indústrias, conjuntos residenciais, pequenos agricultores, entre muitos outros.

A partir de material elaborado pelo Ministério da Economia, a agência propõe cinco alternativas de alteração da resolução 482/2012 que encarecem a geração distribuída. Elas estão disponíveis em uma consulta pública aberta em 17 de outubro, com prazo até 30 de novembro para receber sugestões da sociedade – que tem o direito de saber dos fatores que realmente são vigentes para poder debater e decidir. O cronograma contempla uma única audiência presencial em 7 de novembro.

O SOS GD, grupo que reúne empresas e entidades do setor de energia fotovoltaica, como ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) e ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), pretende que a Aneel estenda o processo de discussão dessa consulta, em virtude do curto prazo de 44 dias. “É um período insuficiente para uma discussão ampla e técnica, principalmente para que estes conceitos técnicos divergentes possam ser alinhados, e se tenha maior participação de toda a sociedade na compreensão e desenho deste acordo”, afirma o engenheiro Ricardo Costa, representante do grupo.

O SOS GD propôs a formação de uma frente de trabalho com a Aneel para discutir os conceitos-base para o ajuste da resolução 482 e, na sequência, um cálculo fundamentado nos dados técnicos verídicos do funcionamento da GD. O objetivo é de informar corretamente a população e não inviabilizar, no país, a energia mais limpa que existe.

O que é geração distribuída

A geração distribuída no país agrega pessoas comuns e pequenos negócios (empresas, indústrias, produtores rurais etc) que geram energia solar para seu próprio consumo. Com isso, obtêm de 10% a 20% de redução na conta, em relação à eletricidade comprada no mercado cativo. São negócios que não têm acesso à energia mais barata ofertada no mercado livre, que atende somente grandes empresas. E, diferentemente do mercado cativo, não apresenta monopólio ou reserva de mercado.

A proposta da Aneel extingue essa economia nas contas de luz ao aumentar em até 62% os custos para a mini e a microgeração de energia solar. O valor seria pago às distribuidoras de energia.

O problema é que a proposta da Aneel se baseia em conceitos técnicos que não reconhecem benefícios da GD que, na visão do setor fotovoltaico, resolveriam a questão se fossem devidamente reconhecidos. A agência propõe cobrar por ativos do SIN (Sistema Interligado Nacional) perdas, taxas e encargos que não incidem sobre a GD, avalia o setor.

Para entender os cálculos da Aneel, é necessário conhecer como funciona a geração distribuída no país.

Atualmente, existem três mercados para comercializar energia elétrica: o cativo, em que o consumidor é obrigado a comprar de uma única distribuidora e que abrange a maior parte do público; o livre, em que grandes consumidores, como as indústrias, negociam diretamente com geradores ou comercializadores; e o de GD, que reúne os mini e microgeradores que produzem energia para o próprio consumo.

A energia produzida pelas placas fotovoltaicas não consumida imediatamente (porque não é gerada em simultaneidade com o referido consumo) precisaria de baterias de valor inacessível para armazená-la. A solução definida pela agência, em 2012, é o net metering, sistema usado em vários países. Os kW gerados entram na rede de distribuição da concessionária local e ficam disponíveis para os consumidores vizinhos que se encontram conectados da mesma área de concessão da concessionária, enquanto seu produtor obtém créditos equivalentes para usá-los ao receber eletricidade da distribuidora local.

“É como se a rede de distribuição da concessionária fosse uma bateria para armazenar essa energia. O sistema alimenta as redes das concessionárias, com energia gerada de todas as fontes disponíveis, limpas ou poluentes”, explica Costa.

Cálculos equivocados

A Aneel argumenta que, ao entrar nas redes de distribuição, essa energia dos mini e microgeradores impacta financeiramente todo o sistema elétrico pelo seu uso. A questão é que as contas da agência não consideram benefícios causados pela GD no próprio sistema elétrico.

Os cálculos da agência incluem remuneração pelo sistema de distribuição considerando a gestão de todos os ativos da concessionária da área em que o produtor se encontra (como postes, torres, recursos humanos etc); custos de transmissão fora dessa área da concessionária, uma vez que o sistema é interligado; encargos como a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e taxas como a de pesquisa para manter o sistema, entre outras; e a cobertura das perdas do sistema.

Esses três últimos itens de cobranças não recaem sobre a GD se forem considerados os efeitos técnicos dos benefícios da GD, conforme a própria legislação preconiza. A energia produzida por mini e microgeradores é consumida localmente e não usa sistema fora da área da concessionária. Além disso, quem investe no sistema energético como autoprodução não deve arcar com os encargos porque já realizou os investimentos para o sistema. E, finalmente, as perdas do sistema são relativas à energia do mercado cativo, e não da GD.

“A agência está propondo a cobrança como se a GD usasse toda a estrutura de transmissão das concessionárias, sem considerar os benefícios técnicos desta geração exatamente na localidade em que é produzida. A Aneel está propondo uma cobrança de um pedágio indevido sobre uma estrutura que a GD não percorre”, afirma Costa.

GD beneficia a todos

A defesa da cobrança indevida alega que os consumidores em geral, aqueles que estão no mercado cativo e podem adquirir energia de uma única concessionária, pagam os supostos impactos que a GD geraria no sistema. Isso não é verdade.

O eventual impacto – que precisa ser calculado com números reais – ocorreria somente na área em que a GD está instalada, e apenas relativo ao excedente da energia produzida (aquilo que não é consumido e fica disponível ao sistema). Se um mini ou microgerador produzir 500 kW e consumir 400 kW, somente os 100 kW restantes poderiam impactar as redes de distribuição das concessionárias, mas sem utilizar os sistemas de transmissão, já que são consumidos na localidade. Em comparação, a energia que a concessionária vende ao consumidor comum do mercado cativo, percorre milhares de km.

Além disso, a geração distribuída é um dos pilares do PEE (Programa de Eficiência Energética), assim como o Procel. Ela reduz as perdas com o sistema, fazendo esse custo cair para todo mundo, incluindo os consumidores cativos.

“A Aneel faz conta de prejuízo, mas não fala dos benefícios, distorcendo os cálculos e a proposta”, enfatiza o representante do SOS GD.

O grupo de trabalho que o SOS GD iniciou com a Aneel vai examinar essa relação com a distribuição local a partir de uma análise técnica profunda e de números reais da atividade, avaliando o verdadeiro impacto dessa energia no sistema.

A resolução 482, de 2012, que regulamenta a GD, não definiu um cálculo. A norma foi feita dessa forma para que a própria agência avaliasse como o setor, ainda novo no país, iria evoluir na prática. Hoje, há dados do que realmente acontece.

“As resoluções normalmente passam por revisões de dois em dois anos para a busca de equilíbrio. O setor de energia solar está crescendo e devemos discutir o custo pelo uso da distribuição onde ela existe, localmente, com base em dados técnicos verificados. Queremos uma discussão clara, que exponha a toda a sociedade o que de fato é cobrado e o que de fato é benefício ou prejuízo”, alerta Costa.

Economia e meio ambiente

Enquanto o mundo todo investe e incentiva a produção de energia fotovoltaica, a mais limpa entre as renováveis, a proposta da Aneel, se entrar em vigor da forma em que está, pode emperrar esse setor no Brasil. Os efeitos serão sociais, econômicos e ambientais.

“A geração distribuída é o único meio com que o pequeno empresário ou produtor rural tenham acesso à própria energia para reduzir sua conta. Essa diferença pode ser investida em seu negócio, aumentando suas chances de competir. Os grandes, em contrapartida, têm acesso ao mercado livre de energia, mais barato. Devemos lembrar que os pequenos e médios negócios são os maiores empregadores do país”, comenta Costa.

Em todo o país, 159 mil unidades consumidoras se beneficiam da energia gerada a partir da radiação solar, segundo a Aneel. São quase 127 mil unidades produtoras, que geram 0,3% da eletricidade disponível no país.

O setor de energia fotovoltaica reúne 20 mil empresas e 72 mil empregos, com previsão de gerar mais 30 mil postos de trabalho até o fim de 2019, se a proposta da Aneel não vingar. Congrega empresas que levam tecnologia a todo canto do país, como na região amazônica, em que se pode substituir geradores a diesel por placas fotovoltaicas.

O Brasil é um dos com mais incidência de radiação solar, com potencial para geração muito maior do que países como Alemanha, França e Espanha, que possuem projetos altamente disseminados e de maior relevância em suas matrizes elétricas. É, portanto, um mercado que está somente no início.

Além do aumento da oferta de tecnologia, barateando os insumos, também há mais linhas de crédito que facilitam a instalação em pequenas empresas, propriedades rurais, casas e conjuntos residenciais.

A geração de energia solar, a mais limpa entre as renováveis, contribui com o compromisso assumido em 2015 pelo Brasil, no Acordo de Paris, de reduzir emissão de gases de efeito estufa em 37% e em 43%, em 2025 e 2030, em relação a 2005.

A cobrança proposta pela Aneel vai criar insegurança jurídica para a GD e muitas ações na Justiça. O alto potencial de insolação do país será desperdiçado. O Brasil também ficará para trás em tecnologia fotovoltaica, desprezando o que já foi investido até então.

“A cada kW de energia solar, o país deixa de gerar 1kW com térmica, mais cara e mais poluente. Assim, ela reduz a demanda por energia cara, o que alivia a conta de todos os consumidores do país, uma vez que a energia gerada pela GD alivia o Sistema Interligado Nacional (SIN), em que todas as usinas centralizadas de maior porte se conectam para sua energia então ser distribuída”, adverte Ricardo Costa.

Mais energia fotovoltaica significa mais produtividade para pequenos negócios, propriedades rurais e serviços públicos, e menos emissão de carbono. A energia solar é sinônimo de sustentabilidade e está em jogo com a proposta da Aneel.

O QUE É:

Mercado Cativo: o consumidor só tem um distribuidor e as tarifas são fixas

Mercado Livre: grandes consumidores podem negociar a compra, a preços mais em conta que no cativo

Geração Distribuída: mini e microgeradores produzem e direcionam a energia para o sistema de distribuição das concessionárias e alívio ao SIN, recebendo créditos para pagar a energia distribuída por concessionárias. É o único meio para que pequenos negócios tenham acesso a energia mais barata, como no mercado livre

PROPOSTA DA ANEEL

Os cálculos da agência podem elevar em até 62% os custos para mini e microgeradores

Tais cálculos consideram custos e encargos que não incidem sobre a geração distribuída, se forem considerados os benefícios técnicos da GD no sistema de distribuição das concessionárias

POR QUE É RUIM

A geração distribuída é o único meio para que pequenas empresas e propriedades rurais paguem menos na conta de energia

A energia solar reduz a demanda por energia mais cara e poluente, diminuindo a conta de todos os consumidores no país

Todos perdem com a proposta da Aneel, inclusive quem compra energia no mercado cativo

É ruim para a economia e o meio ambiente

O QUE O SETOR DE ENERGIA SOLAR PROPÕE

A mini e a microgeração distribuída já beneficia o sistema com a energia injetada: ela aumenta a eficiência energética e reduz as perdas do sistema, o que também diminui custos para o consumidor cativo. O setor propõe à Aneel manter as discussões mesmo após o término da consulta pública para que o grupo técnico formado com a agência tenha tempo hábil para definir um cálculo com base nos dados técnicos a que a própria reguladora tem acesso