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Entrevista

Crise econômica e agronegócio: Leia entrevista com o professor titular da FEA/USP, Decio Zylbersztajn

Professor titular da FEA/USP, Decio Zylbersztaj, fala sobre os impactos que a crise econômica pode trazer ao agronegócio brasileiro e mundial. Para Zylbersztajn o endividamento dos países da zona do euro pode ser uma oportunidade para que o bloco reveja sua política de subsídios agrícolas.

O agronegócio não está imune aos efeitos da crise mundial. Embora seja o último setor a sentir as consequências de qualquer turbulência econômica, uma eventual deterioração da situação na zona do euro e nos Estados Unidos pode retrair a demanda e derrubar os preços das commodities agrícolas no mercado internacional, a exemplo do que aconteceu em 2008. “Nenhum setor está livre dos impactos de uma crise econômica como a que atravessamos. Com o agronegócio não é diferente”, afirma Decio Zylbersztajn, professor titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e coordenador do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa). “Embora a demanda por alimentos seja menos elástica, não é possível descartar uma eventual retração de consumo”, pondera.

Embora considere a gravidade do atual quadro econômico global, Zylbersztajn não enxerga nas consequências da crise apenas desventura para o agronegócio mundial. Para o professor da USP, o endividamento dos países da zona do euro pode ser uma oportunidade para que o bloco europeu reveja sua política de subsídios agrícolas. “A política de protecionismo na Europa custa muito para o setor público dos países europeus. Não tem mais jeito, eles vão ter que se adaptar. A aposentadoria da vaquinha europeia não vai poder ser tão boa como foi e como ainda é”, diz. Faz sentido. Países como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália têm sofrido com os efeitos do endividamento descontrolado. Para tentar resolver o problema têm adotado medidas de austeridade fiscal que, na prática, significam enxugar radicalmente os gastos públicos.  

Em entrevista à Suinocultura Industrial, Zylbersztajn fala sobre os efeitos da crise no agronegócio brasileiro e mundial e comenta os desafios enfrentados pelo setor avícola em 2011, como a elevação nos preços das commodities e a valorização cambial. Fala também sobre assuntos díspares, como a atual política comercial brasileira e as discussões em torno das relações contratuais entre produtores e agroindústria. Os principais trechos dessa conversa você confere a seguir. 

Suinocultura Industrial – A deterioração da situação europeia, que prenuncia economias em recessão e baixo crescimento econômico global, tem gerado um cenário de grande incerteza. Na opinião do senhor, que reflexos e implicações o agravamento dessa crise pode trazer para o agronegócio mundial? 

Decio Zylbersztajn – Naturalmente que nenhum setor passa ileso a uma crise como esta e com o agronegócio não é diferente. A Europa tem uma característica, ela é grande demandante de commodities que não são produzidas por lá ou que são produzidas por lá em menor escala. Portanto, os sistemas agroindustriais europeus se conectam com os sistemas agroindustriais fora da Europa. Nós somos grandes supridores de grãos, que os europeus utilizam para produzir aves e suínos. Da mesma forma, somos também fornecedores de outros produtos acabados para o consumo. O Brasil é, por exemplo, um grande exportador de frutas para a Europa. Portanto, é claro que, de maneira geral, a crise na zona do euro, afeta o agronegócio brasileiro. 

SI – Mas é possível mensurar em que medida essa crise vai afetar as exportações do agronegócio brasileiro para a Europa?  

Zylbersztajn – Veja bem, é importante perceber o seguinte: essa crise afeta o agronegócio de maneira não homogênea. Outro ponto importante, alguns setores, como o do café por exemplo, passaram até este momento ao largo da crise. Conversando recentemente com o pessoal do setor de café, eles me disseram que as vendas para a Grécia não sofreram nenhum abalo. É interessante ver isso. E a razão pode estar no fato de que o percentual que o europeu gasta com alimentos é muito pequeno. Isso significa que a crise vai bater na demanda por vários outros bens, antes de bater na demanda por alimentos. Os economistas costumam dizer que a demanda por alimentos é menos elástica. Mas, de um modo geral, é claro que se espera uma certa retração [ na demanda por alimentos]. Essa retração já se faz sentir em setores não alimentícios, mas com base agrícola como é o setor de celulose. A Europa é um mercado importante em celulose. Então fica claro que não vamos passar isentos por essa situação.       

SI – A crise de 2008, a chamada crise financeira internacional, provocou queda generalizada nos preços das commodities agrícolas. Na opinião do senhor, a atual crise econômica mundial tem capacidade para fazer o mesmo?  

Zylbersztajn – Acredito que sim. Especialmente se essa crise pular a cerca da Europa. Acho que o início do próximo ano vai ser um período importante para se ter um termômetro da situação. As tentativas de acerto institucional na Europa vão começar a dar sinais mais claros no início de 2012. Ou os países europeus amadurecem sua relação ou a zona do euro entrará em declínio. 

SI – O que seria esse amadurecimento? 

Zylbersztajn – Digo amadurecer no sentido de que, efetivamente, os países europeus vão ter que ter uma política fiscal comum. Não adianta eles terem apenas essa sinalização. Por exemplo, determina-se que cada país só pode ter 3% de déficit de contas públicas e ninguém cumpre. Ou só a Alemanha cumpre, como tem acontecido. Acredito que a sinalização agora pegou. Então aqueles países que estavam loucos para entrar na zona do euro já não estão tão desejosos e, principalmente, vamos ver como é que vai ser essa situação. Mas, certamente, a participação do governo nos produtos internos dos países vai cair muito. Os governos vão ter que se retrair. Como o setor privado vai conseguir se financiar, como o setor financeiro, em especial, vai ser afetado, é o quê a gente quer ver nos próximos meses.  

SI – O senhor demonstrou a preocupação com a possibilidade dessa crise “pular a cerca” da Europa. A dívida pública nos Estados Unidos pode se transformar num novo capítulo dessa crise? 

Zylbersztajn – Acredito que essa questão tenha pouco a ver com a Europa. Tem mais a ver com esse arranjo, aliás, muito interessante, que tem perdurado na última década, entre o déficit público norte-americano e o superávit chinês. Vendendo bastante, a China faz um superávit comercial estrondoso e com isso financia o déficit público norte-americano. Os Estados Unidos, por sua vez, vêm somando déficits anuais. Vêm somando uma dívida enorme, que todos sabem, tem limite. Em algum momento essa conta vai ter que ser paga. Alguém vai ter que pagar. Gerações futuras norte-americanas pagarão. O interessante é ver que daquilo que o Brasil e os países, então chamados do terceiro mundo, padeciam há 20 anos acomete hoje o mundo desenvolvido: a falta de instituições com credibilidade para dar respostas a essas perguntas. 

SI – Essas turbulências na economia europeia e norte-americana impactarão o agronegócio de diferentes maneiras então?   

Zylbersztajn – Acredito que sim. Por exemplo, na Europa, e tem se falado pouco disso, mas acho que é um momento oportuno para pararmos para pensar, a política europeia de protecionismo custa muito para o setor público dos países europeus. Acredito que as mudanças que já vinham sendo sinalizadas agora vão ter que se concretizar. Não tem mais jeito, os europeus vão ter que se adaptar. Isso tem um lado positivo para vários produtos brasileiros. Basta ver que todo produto com valor adicionado tem uma tributação, tem uma taxação, para entrar no mercado europeu. Então esse protecionismo, esse isolamento, terá que ser revisto; a aposentadoria da vaquinha europeia não vai poder ser tão boa como foi e como ainda é. 

SI – O senhor está dizendo que os ajustes que vêm sendo feito nos países da União Europeia para combater a crise são uma oportunidade para que eles revejam sua política de subsídios agrícolas?   

Zylbersztajn – Sim, isso pode e vai ter que ser mudado. 

SI – E no quadro internacional, como o setor do agronegócio vai sentir a crise?  

Zylbersztajn – Por um lado pelo arrefecimento da demanda, que já tem dado sinais de enfraquecimento. Ele não é estrondoso como em outros setores, mas já se faz sentir. E também uma mudança na política europeia de protecionismo. Do lado dos Estados Unidos cabe a gente aguardar. A pujança da economia norte-americana é muito grande. Ela tem dado sinais de que é capaz de se reconstruir cada vez que há um abalo. Mas, desta vez, a coisa pode ser mais séria do que já se vislumbrou.           

SI – Em outubro as exportações chinesas tiveram a menor alta em quase dois anos, afetada pela desaceleração da economia dos Estados Unidos e Europa. Internamente, a indústria chinesa chega até a falar em demissões e redução da produção. A China é um importante comprador de matérias-primas brasileiras. O Brasil está preparado para uma eventual desaceleração da economia chinesa? 

Zylbersztajn – Não, o mundo não está. O mundo mergulhou no fenômeno China de cabeça e, portanto, não está preparado para uma mudança de cenário. E essa mudança de cenário virá em algum momento. A China já lida com uma pressão inflacionária que não tinha até pouco tempo atrás. A inflação começa a ser uma questão que preocupa o governo chinês. Ou seja, as agruras do capitalismo estão lá e algo terá que mudar. Portanto, acho importante que se pense em conviver com taxas de crescimento “menos chinesas” na China. O lado positivo dessa história, que pode ser muito importante para o caso brasileiro, e também para os Brics [acrônimo que se refere aos países de economia emergente, Brasil, Rússia, Índia e China], é que temos populações grandes, mercados consumidores locais muito grandes. Isso é muito importante. No Brasil o que pega ainda, e infelizmente é preciso repetir essa cantilena, porque é verdadeira, é que temos a segunda maior taxa de juros do mundo. Esse é um quadro complicado, pois afeta o investimento e o consumo também. Esse é um cenário que tem de um lado um fato positivo, que é o de que temos um crescente mercado doméstico, principalmente advindo do crescimento da renda das camadas mais baixas da população. Mas, ainda que o governo sinalize reduções na taxas de juros, e talvez se caminharmos para um dígito, ainda sim somos a segunda maior taxa de juros do mundo. 

SI – O governo fez novo corte na taxa básica de juros em dezembro e também anunciou medidas de estímulo à economia para combater os efeitos negativos da crise externa… 

Zylbersztajn – A sinalização é pelo rebaixamento da taxa de juros, mas é muito interessante vermos a resiliência que existe no Brasil. Porque esse abaixamento nas taxas de juros primárias acaba chegando de uma forma muito tênue, só na ponta, para o captador ali no mercado. Então aí temos que considerar uma estrutura tributária complicada, que também pega o setor financeiro. E também, por que não dizer, uma concentração terrível, no setor financeiro. O Brasil tem hoje um sistema financeiro altamente concentrado. O bom no Brasil é ser acionista de banco.      

SI – Estávamos falando do mercado doméstico. Em 2008, a força do mercado interno brasileiro foi um dos fatores que minimizou os impactos da crise financeira na economia nacional. Dada as características dessa nova crise e as medidas recentemente anunciadas pelo governo brasileiro, o senhor acredita que o mercado interno possa blindar a economia brasileira? 

Zylbersztajn – Sim, é sempre um recurso. É claro que parte da indústria se especializou em exportar. E aí não é muito fácil redirecionar para o mercado interno. Podemos pensar, por exemplo, na indústria sucroalcooleira, que encontra um desafio muito complicado de governança. Quando os preços internacionais do açúcar estouram, começa a fazer água aqui o programa do álcool. Mas essa é uma indústria que pode redirecionar, mas há outras que não podem. Outras que nasceram desenhadas para exportar. 

SI – O senhor poderia citar algum exemplo de indústrias que têm dificuldades em redirecionar sua produção para o mercado interno? 

Zylbersztajn – A indústria da celulose, por exemplo. Ela nasceu voltada para o mercado internacional. Aí fica mais difícil, não há muito o quê fazer. Ou seja, há setores que vão apanhar de qualquer maneira.     

SI – Gostaríamos de falar um pouco sobre os setores de aves e suínos com o senhor. Um dos principais entraves para esses setores neste ano foi o alto preço das commodities agrícolas. Como o senhor analisa as perspectivas de abastecimento e preço para milho e soja no ano que vem?  

Zylbersztajn – Não acredito em problemas de abastecimento, pois me parecem que as intenções são muito positivas com respeito à oferta. Porém, isso não significa alívio em termos de incidência de custo. O Brasil hoje está numa situação interessante: o agronegócio brasileiro, de maneira geral, não tem mais como um de seus trunfos o baixo custo. Isso não é mais verdade. Em quaisquer de nossas commodities. Não somos mais os produtores de mais baixo custo. Pelo contrário. Temos hoje elevadíssimos custos. Seja por incidência tributária, seja por custo logístico, por incidência de fatores de pressão de preço, enfim. A mão-de-obra deixou há muito tempo de ser barata no País. Esse quadro mudou e temos que lidar com isso. Mas pensando especialmente nas commodities, que vão ser transformadas em ração, o cenário de oferta é bom. Se houver recuo na demanda internacional pode ser positivo para a indústria doméstica de aves e suínos, já que os preços do milho e da soja caem. Por outro lado, o setor de aves e suínos fica numa situação ambígua. Porque se o mercado internacional estiver muito bom ela se beneficia porque exporta, mas ela vai ter que pagar um custo maior por isso. Se o mercado cair, seu principal componente de custos, que é a ração, cai, mas o mercado pode não estar tão comprador. É preciso ver como esses dois lados da equação vão se dar no próximo ano.      

SI – A Argentina anunciou uma ampliação do seu programa de etanol à base de milho para o próximo ano. A Argentina é o segundo maior produtor mundial. Como esta decisão deve impactar o preço desta commodity no mercado internacional? 

Zylbersztajn – Sendo um anúncio de política pública argentina o mercado toma a seguinte posição: “vamos esperar para ver”. Eu acho que vamos ter que esperar para ver. 

SI – A especulação é fator fundamental hoje na formação do preço das commodities, mas acaba por gerar distorções. O setor mundial de commodities virou refém das especulações? 

Zylbersztajn – Há um aprimoramento da estrutura dos mercados financeiros com o surgimento dos derivativos. Por um lado um aperfeiçoamento, por outro podemos dizer uma sofisticação. E nem sempre uma sofisticação positiva. Existe um certo afã de criar mercados, que muitas vezes funciona como um balão de ensaio e depois não tem grande utilidade. O que se espera do mercado financeiro é que ele possa, em primeiro lugar, ser capaz de suprir recursos para a estrutura produtiva das economias de uma forma líquida e transparente. E que encontre mecanismos sofisticados para gerenciar o risco associado a essas operações. É isso que se espera e o mercado financeiro tem essa competência de conseguir diluir riscos, de gerenciar. Por outro lado, o mercado financeiro comete erros e também está sujeito a todos os tipos de distorções que as outras áreas da economia também estão. Se o mercado financeiro mundial não der sinais de que possa governar bem as suas transações vai empurrar o mundo todo a ter instituições que imponham governança a esse setor. E isso esse setor não quer, então ele tem que ter responsabilidade. É como o setor de propaganda, que também não quer ser tutelado. Então é preciso criar mecanismos autogerados para a imposição de limites. A mesma coisa o setor financeiro, que está vivendo um momento desafiante.    

SI – EUA e Brasil, países líderes no agronegócio, tiveram desempenhos opostos em 2011. Enquanto os norte-americanos reduziram a participação no mercado de grãos, exportando menos, e elevaram as vendas de carnes, o Brasil manteve a expansão nas vendas de grãos e perdeu espaço no comércio internacional de carnes. Como o senhor analisa esse movimento? 

Zylbersztajn – Não tenho clareza se isso aconteceu para toda proteína animal. Não tenho clareza se é um movimento que pegou bois, suínos e aves de maneira similar. Acredito que isso deve refletir um pouco os mercados internos. Enquanto o mercado interno norte-americano passou por um processo de muita retração, o mercado brasileiro viveu um processo de expansão de consumo de proteína animal. E aqui estamos falando do crescimento das classes D e C e isso é diferente do que aconteceu nos Estados Unidos. Não sei se são ajustes mais temporários do que mudanças mais definitivas. 

SI – Esse movimento não pode ser lido como uma estratégia? 

Zylbersztajn – Não, acho que reflete uma situação de momento.  

SI – Há anos, os setores exportadores nacionais, sobretudo do agronegócio, reclamam que a valorização do real frente ao dólar prejudica a participação do Brasil no mercado internacional.  É possível resolver ou ao menos contornar essa situação?  

Zylbersztajn – Não dá para resolver essa questão do dólar enquanto a dualidade entre Estados Unidos e China se mantiver. A China mantém o yuan subvalorizado. O que a China deseja é ter condição de colocar os seus produtos em outros mercados e isso é uma política clara. A desvalorização da moeda chinesa acaba sendo uma pressão internacional. Eles têm mecanismos políticos e econômicos muito fortes para controlar esse mercado. E enquanto esse cenário não mudar eu acho que o mundo inteiro passa por um momento de valorização das diferentes moedas em face ao dólar.

 SI – Trata-se então mais de uma questão de fora para dentro e não da falta de uma política cambial definitiva no Brasil? 

Zylbersztajn – Sim, esse é um driver externo. Nós pouco podemos fazer. Se antigamente dizíamos que o Brasil tinha instituições frágeis e que os investimentos internacionais não vinham ao país, hoje a situação é diferente. Os investimentos vêm. Nós queremos isso. Mas os investimentos internacionais trazem dólar ao País e então a moeda brasileira se valoriza. Essa é uma equação que não tem um lado só. É preciso olhar os dois lados. Mas não vejo mudança enquanto não houver alteração na questão chinesa.   

SI – Alguns setores do agronegócio brasileiro, sobretudo o de carnes, julgam que o Brasil tem andado para trás na política de comércio exterior. O argumento é de que, com a paralisação da Rodada Doha, o Brasil entrou num vazio na área ofensiva de comércio exterior. A principal crítica é que a atuação do novo governo na área de política externa é mais política e menos comercial. Como o senhor vê essa questão? 

Zylbersztajn – A situação da crise europeia é tão vigente que não caberia a nós retomar outras negociações, seja Doha ou qualquer negociação multilateral, enquanto o cenário estiver do jeito que está. Acho que esse ponto deve ser considerado. Em segundo lugar, é claro que o governo anterior teve uma característica marcante pelo fato do Lula funcionar como um mentor externo de relações comerciais. Mas acho que temos que dar um pouco de tempo à Dilma [Rousseff, presidente do Brasil]. Ela está chegando, ainda não tem o ministério dela, mas vai ter. Na verdade acho que a Dilma necessitou de um tempo para arrumar a casa e está em processo de fazê-lo. Creio que ela vai ter um outro momento até mais propício para avançar com relações multilaterais ou bilaterais comerciais. Agora, uma coisa precisa ser dita: o setor privado, e principalmente o setor de carnes em geral, deixa isso muito na mão do governo. É importante que esses setores percebam que têm que por a mão no bolso, têm que se organizar mais, têm que ter presença internacional. Não sei se o governo é o melhor vendedor para cada setor. Ao governo cabe colocar regras claras e tornar o ambiente propício para o setor privado atuar. Agora, o setor privado tem que atuar. Tem que ter presença internacional forte, tem que se coordenar para atuar no mercado internacional. Por vezes, uma ação competitiva aqui dentro pode significar uma ação cooperativa para atingir o mercado internacional. Cabe também ao setor privado atuar.     

SI – Uma última pergunta, a relação contratual entre produtores de aves e suínos e agroindústrias vem sendo discutida no Brasil, inclusive com a participação do Poder Legislativo. O objetivo é estabelecer as diretrizes para que os contratos fixem com maior clareza e transparência responsabilidades e obrigações de cada um. Como o senhor vê essa discussão? 

Zylbersztajn – Os contratos de integração são um exemplo muito positivo de relações contratuais eficientes, o que não quer dizer que não tenham problemas. E isso é natural. É um modelo que podemos chamar de vencedor, tanto é que ele nasceu e se difundiu pelo País. Porém, com o passar do tempo o quadro mudou um pouco. Aquele tipo de modelo de contrato com as famílias no Sul do Brasil não se replica no Centro-Oeste. É outra realidade, a escala das operações é diferente, é muito maior, é empresarial. Esse contrato tem nuances totalmente diferentes da relação contratual com aquela família que tinha dois ou três galpões de aves no Sul. Ou seja, assim como a tecnologia muda, assim como a característica do setor muda, esses contratos vão evoluindo. E é bom que eles sejam discutidos. Mas sou totalmente contrário a alguns que penalizam e criticam a existência desses contratos como se eles fossem geradores de relações de dependência. Eu não vou por aí. Acho que são contratos que merecem ser aprimorados e para isso é preciso discutí-los com transparência. Mas que o modelo de integração é um modelo vencedor não tenho nenhuma dúvida.