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Americanos investem em pesquisas e na criação de milhos transgênicos

Pesquisadores estudam como a planta ancestral, que deu origem ao milho, pode ajudar a resolver problemas atuais e criar as sementes do futuro.

Americanos investem em pesquisas e na criação de milhos transgênicos

Quando se fala em tecnologia, logo pensamos em naves espaciais, indústrias de veículos ou computadores. Mas em uma simples espiga de milho existe muita tecnologia.

A Universidade Estadual de Iowa está localizada na cidade Ames. No estado, que é o maior produtor de milho do país, são feitas diversas pesquisas sobre o grão. Nos laboratórios da universidade, se pensa em fabricação de colágeno a partir de milho, milho modificado para funcionar como vacina contra gripe para porcos ou milho de digestão lenta, próprio para diabéticos.

O Globo Rural visitou o banco de sementes, mantido pelo Ministério da Agricultura, dentro da universidade. “A coleção do banco é muito valiosa, então existe um controle de acesso e aqui dentro há alarmes de incêndio, fumaça e invasão porque muito disso nunca mais poderá ser coletado”, explica a doutora Candice Gardner.

O local parece uma biblioteca. “O germoplasma sempre sai e nunca volta. Exatamente como um livro, algumas vezes”, brinca a doutora. Como um livro guarda sua história, as sementes contêm informações importantes para os pesquisadores.

Candice Gardner é especialista em doenças de plantas e responsável pelo banco. Não é só contra a entrada de estranhos que o banco é protegido. Também existe todo um controle para evitar bactérias, fungos, que possam deteriorar os grãos, por isso a temperatura da sala é mantida em quatro graus e a umidade a 25%.
Bem limpas, as sementes duram muito. Há amostras com 50 anos e taxa de germinação acima de 90%. Quase a metade das amostras é de milho e estão representados 160 países.

Por ano, 20 mil amostras são enviadas de graça para pesquisadores, professores e produtores. “Nós repatriamos sementes para a Etiópia três vezes por causa de seca prolongada, guerra civil, fome Assim foi possível recomeçar o cultivo e alimentar as pessoas”, conta a doutora.

Mark Millard, agrônomo e curador do milho, separou para a equipe do Globo Rural algumas variedades curiosas. O milho pipoca vermelho, em forma de morango, do norte da Argentina e sul da Bolívia, e outro milho pipoca argentino, com uma espiga adulta bem pequena e fininha.

Alguns dos milhos guardados no banco servem de base para pesquisas no campo. Existe uma área plantada pela universidade para os dias de campo, para mostrar aos visitantes as pesquisas que estão em andamento. Existem diversas variedades e híbridos de milho e o que chama a atenção logo na entrada é uma planta verde e bem alta, o teosinto, o ancestral do milho.

Segundo estudos, uma gramínia, domesticada por tribos indígenas do México, se transformou no milho atual. O doutor Millard fala das semelhanças. “Há o pendão, anteras com pólen como temos no milho, as folhas são parecidas, um pouco mais estreitas. A grande diferença está na espiga. Ela é bem pequena, com poucos cabelos e se você abre isso, é como olhar pro milho doce antes de ser polinizado. Uma porção muito pequena do genoma do teosinto sobreviveu no milho moderno então nós vamos voltar ao selvagem teosinto e ver o que deixamos pra trás”.

Há quinze anos os pesquisadores vêm fazendo cruzamentos do teosinto com milhos americanos. Doutor Millard mostra o resultado de um deles. “Nós sabemos que o teosinto foi domesticado num ambiente vulcânico, então ele provavelmente tem meios de lidar com metais pesados. Esta característica poderia ser colocada no milho que passaria a ser cultivado em solos contaminados sem problemas”.

Há quase um século, um grande salto da pesquisa foi o surgimento do milho híbrido. Estas fotos do arquivo da biblioteca do Congresso americano são de 1939 e mostram os agricultores analisando espigas híbridas.

As primeiras sementes surgiram no mercado em 1924 e, com elas, os agricultores praticamente triplicaram a produtividade. Em 1995, veio outra grande mudança para os produtores: o primeiro milho transgênico.

Em outro prédio da universidade fica a unidade de transformação de plantas, onde é criado um novo milho transgênico. As pesquisadoras pegam uma espiga bem novinha, tiram os grãos, depois retiram os embriões e colocam este embrião em contato com uma bactéria de solo, capaz de transportar um novo DNA para dentro deste embrião. Esse é um trabalho feito pela Universidade de Iowa, para várias instituições públicas do mundo inteiro, que pagam apenas os custos da pesquisa.

A especialista em genética de plantas, doutora Kan Wang, mostra os embriões modificados já com cinco meses. Quando crescem, o resultado pode surpreender. “O gene está fazendo este milho mudar de comportamento e seria ótimo entender o que ele faz. No futuro você poderia, por exemplo, gerar muita biomassa, o que seria bom para produção de biocombustível”, explica.

Na estufa, os órgãos reprodutores das plantas ficam cobertos. É tudo controlado para não haver cruzamentos indesejados. Mas a pesquisadora também estuda um milho estéril. No milho estéril, as anteras, que contém o pólen do milho, não existem. “O objetivo de desenvolver um milho sem pólen é prevenir que qualquer milho transgênico cruze com outros milhos não transgênicos”, diz.

Em Saint Louis, no estado de Missouri fica a sede da Monsanto, uma das maiores empresas produtoras de sementes transgênicas no mundo. Gary Barton, químico e jornalista é o encarregado de receber os visitantes.

Ele nos mostra o sistema antigo de inserção de um novo DNA em uma planta. “Essa é uma representação de pequenos pedaços de folhas de milho. Colocamos uma poeira de DNA contida em partículas de metal, fecha a porta e forma um vácuo. Em um buraco colocamos uma carga calibre 22, como uma arma de pregos que se usa na construção civil, e disparamos o DNA. Abala acertava o núcleo das células e depositava o DNA”, conta. Uma tecnologia tão inovadora, hoje faz parte do museu. A pistola foi abandonada no ano 2000.

Gary adora analogias e compara as plantas melhoradas a um carro em que vamos acrescentando acessórios. “No passado não havia jeito de juntar uma flor e uma planta de milho, mas agora, um criador de novos milhos pode olhar a natureza toda. Ele pode achar um gene útil num micróbio ou uma alga do mar, pegar aquilo e adicionar em uma planta de milho”, comenta.

Na empresa trabalham 1.200 pesquisadores em 75 laboratórios. Depois que os pesquisadores isolam um DNA desejado e colocam na célula da planta que pretendem pesquisar, esse material vai para uma das 104 câmaras de crescimento. Todas elas têm o ambiente controlado: luz, umidade, temperatura. Apenas em uma câmara, por exemplo, estão cultivando milho, desde uma única célula até uma pequena planta com três meses de idade.

As câmaras armazenam milhares de plantas de milho. Depois, elas vão para as estufas, que ficam no alto do prédio. Apesar de portadoras de genes diferentes, todas são parecidas, por isso é preciso fazer análise em laboratório para ver a diferença, como explica Bob Writer, líder de biotecnologia da empresa.
“No laboratório analisamos o DNA para ver se o gene está lá, se está funcionando. Uma vez que levamos uma planta pro campo temos, por lei, que saber que tipo de gene introduzimos no meio ambiente”, diz.

Boa parte dos processos é automatizada. Quando algum melhorista encontra características interessantes em uma planta e quer pesquisar melhor os grãos, ele manda estes grãos para uma máquina chamada de chipper. Ela é capaz de tirar uma lasquinha do grão, sem inviabilizar o embrião para o plantio. As lascas vão seguir para o laboratório e o grão lascado vai para um banco de sementes, caso algum dia alguém queira cultivá-lo. A máquina fixa um grão na ponta de cada haste e depois vira todos pra mesma posição, garantindo que a lasca seja tirada do lado oposto à ponta, preservando o embrião.

Em Monmouth, Illinois, fica a fazenda experimental da empresa. O agrônomo Randall Hess mostra a evolução da tecnologia. Compara os danos nas raízes e espigas de um milho apenas tolerante a um herbicida, com o milho mais moderno, que tem oito genes, com tolerância a dois herbicidas e proteção contra pragas que atacam a raiz, caule, espigas. No Brasil, a empresa tem milhos com, no máximo, duas transgenias.

“No futuro queremos plantas que façam fotossíntese com mais eficiência ou se desenvolvam em ambientes adversos. Estudamos uma variedade tolerante à seca, que deve ser lançada em 2012 ou 2013”, declara.

Nos Estados Unidos os agricultores que plantam milho transgênico contra insetos são obrigados por lei a manter um percentual da área como um refúgio. Ele ocupa no máximo 20% da lavoura. “Isso é para termos uma população de insetos que não tenha sido exposta aos genes de resistência a insetos. Então, quando eles se reproduzirem, continuarão sensíveis. Ninguém quer perder 20% da área, então alguns produtores trapaceiam”, diz.

Ao invés de deixar o refúgio a cargo dos produtores, a empresa propõe já vender um milho misturado: 95% de novas sementes com oito genes e 5% de sementes adequadas ao refúgio.

O agrônomo explica como as plantas do refúgio, menos resistentes, ficariam espalhadas pela lavoura. “O produtor pega o saco e planta, não tem que medir a área e administrar sementes diferentes. Estatisticamente, com esta percentagem, nós seguimos a quantidade pra manter a tecnologia”, afirma.

Mas e quanto à biodiversidade? Questionada sobre um possível desequilíbrio causado pelo milho transgênico no ambiente, Dusty Post, geneticista há 13 anos na empresa, rebate. “Se você faz uma proteção contra insetos, o inseto alvo não vai sobreviver, mas este é o objetivo. Se você se baseia em decisões científicas e dados sobre a segurança não há com o que se preocupar com o milho transgênico”.

Nos Estados Unidos, como as pesquisas com transgênicos, mesmo nas universidades, são geralmente financiadas por empresas produtoras de sementes geneticamente modificadas, é difícil achar vozes dissonantes.

Em Nova York, na Universidade de Columbia, o biólogo e professor de ecologia, Dickson Despommier, diz que confia na ciência, mas desconfia dos cientistas.
“Os cientistas que trabalham nas empresas produtoras de transgênicos diriam que tudo é perfeitamente seguro. Eu não confio nestes cientistas.

Se você usar a manipulação genética para alcançar uma melhor nutrição para as pessoas eu sou a favor. Mas se a manipulação for para a planta resistir a níveis cada vez mais altos de herbicidas, também vendidos pela empresa de transgênicos, eu sou contra. Não há bem ou mal quando se trata de genética. Há um bom ou mau uso da genética”.

Mesmo no país onde surgiu o transgênico, ainda existe muito debate. Enquanto a tecnologia avança para o novo, o desconhecido, no caso do meio ambiente, quanto mais primitivo, melhor. Conciliar desenvolvimento e preservação é o desafio de todos.