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Opinião

A balança comercial e a nova matriz energética

Em 2001, as 600 unidades termelétricas em operação produziam 14% da energia consumida no país.

A balança comercial e a nova matriz energética

* Por Leonardo Pontes Guerra

Conforme originalmente apresentado, a evolução recente da chamada conta petróleo (importações e exportações de óleo e derivados) estava contrariando as expectativas de resultado da balança comercial em razão da manutenção programada das plataformas de exploração de petróleo na Bacia de Campos. A parada dessas plataformas foi a causa principal do déficit da balança comercial brasileira registrado de janeiro a setembro de 2013, em razão da redução drástica da produção nacional. Este fato, por si só, elevou as importações de petróleo e combustíveis e reduziu as exportações de óleo em bruto.

Com o fim desta atividade, dois efeitos são esperados na balança comercial neste segundo semestre de 2013: a redução das importações de óleo e derivados e o aumento simultâneo das exportações desses produtos. Ocorre que, em função da nova matriz energética brasileira, esta dinâmica é mais lenta. Vejamos. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a potência instalada do país saltou de 74.877 MW em 2001 para 124.910 MW em 2013. Isto significa que a oferta de energia cresceu 66,82% no período, ou 4% ao ano. Porém, quando analisamos a matriz de geração elétrica, vemos que este crescimento se deu com uma mudança na estrutura de oferta, especialmente com o aumento do peso da geração térmica.

Em 2001, as 600 unidades termelétricas em operação produziam 14% da energia consumida no país. Em 2013, a quantidade de unidades (térmicas) saltou para 1.756 e o peso na potência instalada dobrou, chegando a 28%. Destes, 10,24% são provenientes de gás; 5,6% de petróleo; e 2,27% de carvão mineral. Ou seja, 70% da energia térmica utilizada no Brasil durante este ano teve como fonte produtos de peso na pauta de importações. O uso de gás e derivados de petróleo para produção de energia saiu de 13,2% no primeiro semestre de 2012 para 20,7% no mesmo período de 2013.

Quando olhamos a geração especificamente por gás natural, vemos que ela praticamente dobrou em um ano, de 6,8%, em 2012, para 12,2%, em 2013, volume, ainda assim, insuficiente para atender a demanda. Isto contribuiu para que a contabilidade da conta petróleo registrasse um déficit de US$ 23,3 bilhões do início do ano até setembro. No mesmo período de 2012, este déficit fora de US$ 9 bilhões. Caso as importações de óleo e derivados deste ano mantivessem o mesmo nível do ano passado, o país estaria registrando um superávit comercial acima de US$ 13 bilhões, e com isto, um menor déficit de transações correntes e um maior acúmulo de reservas internacionais.

As importações dos produtos listados no capítulo 27 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que engloba petróleo e derivados, foram 17% maiores em 2013 do que no mesmo período de 2012. Entretanto, as importações de gás ficaram 51% maiores. Em 2013, de janeiro a setembro, foram importados US$ 6,2 bilhões em gás, e, em 2012, no mesmo período, US$ 4,1 bilhões. Mesmo com um aumento de 17% nas importações e uma redução de 25% nas exportações, a corrente de comércio de óleos e derivados caiu 7% (janeiro-setembro). Com a retomada da produção e o quadro que se avizinha a partir do leilão de Libra, com a progressiva entrada em operação de novas plataformas de petróleo, haverá uma mudança radical nos números da balança comercial e das contas externas.

Nesse novo quadro, país e governo terão alguns desafios a enfrentar. Usemos como exemplo o caso da plataforma de petróleo conhecida como P-55, que, recentemente, deixou o Rio Grande, onde foi construída, para entrar em operação na Bacia de Campos. A plataforma foi exportada por US$ 1,9 bilhão, seguindo as regras do Repetro (Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de bens destinados à exploração e à produção de petróleo e gás natural).

Uma análise imediatista focará apenas na questão de que a exportação da P-55, de pronto, tornou positivo o saldo comercial de 2013 ou no aparente artificialismo da operação, já que a plataforma jamais deixou o país. Meia verdade, que só uma análise mais detida pode desfazer. Parte da plataforma entrou no país, via importação de bens de capital (motores, peças e outros componente) e de serviços. A operação de exportação, portanto, neutraliza as importações anteriores de bens e torna a plataforma um “ativo de residentes no exterior”, pois sua operação ocorrerá além das 12 milhas da costa, limite universalmente aceito para o limite territorial de um país.

A partir de agora, a P-55 compõe a contabilidade externa brasileira de outra maneira, e sua operação irá gerar outros fluxos de entradas e saídas nas transações correntes do país. Analisar essa operação apenas à luz do saldo comercial deste ano é tangenciar o verdadeiro debate que precisa ser travado. Afinal, até 2017, pelo menos mais oito plataformas entrarão em operação e serão exportadas por esse mesmo mecanismo. Como essas plataformas, após exportadas, são alugadas por empresas nacionais, há que se registrar, por exemplo, o seu futuro impacto negativo na balança brasileira de serviços, cuja incidência segue normas internacionais previamente pactuadas.

Será preciso discutir, então, se esse é mesmo o melhor modelo para apurar os dados estatísticos relativos à exportação de plataformas de petróleo ou se há outro modelo que gere o menor ruído possível nas contas nacionais. O que já está claro, no entanto, é que a balança de bens será drasticamente alterada em virtude dessa nova matriz energética em construção. Somente a P-55 terá capacidade de produzir 180 mil barris de petróleo e tratar 4 milhões de barris de gás por dia.

A tendência é de ampliação progressiva da produção e das exportações, fazendo com que a participação das térmicas no fornecimento de energia no país deixe de ser uma preocupação contábil e financeira. Em algum ponto entre 2017 e 2020, estaremos lidando com outro problema, semelhante, mas de sinal trocado: o impacto que o crescente volume de venda de óleo e derivados ao exterior terá no câmbio nacional. Mas isso é assunto para outro artigo.

*Leonardo Pontes Guerra é doutor pela PUC-MG, é chefe da assessoria econômica do Midic