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Entrevista

Brasil tem que investir em geração distribuída de energia, diz presidente ABBM

Mario Augusto Alexandre Coelho, presidente da Associação Brasileira de Biogás e Metano (ABBM), fala sobre a situação do biogás no país 

Mário Coelho, presidente da ABBMMario Coelho é engenheiro agrônomo e doutor em engenharia (metalurgia, minas e materiais) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com foco em novos materiais para energia renovável. Coelho também tem mestrado em tecnologia ambiental e MBA em gestão ambiental e responsabilidade social. Durante a carreira, especializou-se em economia social do desenvolvimento rural, sociologia agrícola e do desenvolvimento, economia da produção, nutrição e ciência do solo nos trópicos e sub-trópicos e métodos de pesquisa pela Universidade de Göttingen, na Alemanha. Atualmente, é sócio administrador de empresas e projetos de consultoria em agricultura orgânica e geração de energia renovável. 

Quais os principais interesses defendidos pela associação? 

A ideia de atuar de forma organizada para estruturar o setor de biogás no Brasil nasceu em 2008, época em que os projetos de biogás não iam para frente. Não havia cadeia de suprimento e recursos humanos, por exemplo. Percebendo as dificuldades editamos um convênio que foi assinado por universidades brasileiras – UFRGS, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a alemã (UNI ROSTOCK), o Centro Alemão de Pesquisa em Biomassa de Leipzig (DBFZ), escolas técnicas, prefeituras e pesquisadores. Assim, formalizamos nossa intenção para trabalhar nas principais questões do setor, principalmente, na disseminação do conhecimento e formação de recursos humanos para que o Brasil tenha condições de implantar e manter usinas de biogás funcionando vinte e quatro horas por dia durante os 365 dias do ano. 

A partir de 2010, a questão do biogás se tornou mais importante pelo fato da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) ter sido consolidada. Com isso, houve uma busca muito grande por projetos de biogás que tivessem uma destinação correta para os resíduos sólidos urbanos e os resíduos orgânicos da produção animal. Esse marco legal, instituído pela PNRS, tornou obrigatória a estabilização da matéria orgânica antes de ser descartada em aterros, o que não havia até 2010. Embora o biogás no Brasil seja uma realidade, até hoje em publicações oficiais da Organização Nacional da Saúde (ONS) e Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), ele não configura como sendo parte da matriz energética brasileira, apenas é integrante do setor de biomassa. Por outro lado, as energias solar e eólica já têm uma identidade própria. Atuamos há oito anos organizando congressos, palestras sobre o setor e ainda não foi possível ouvir a palavra “biogás” de nossos representantes do setor de energia. Sempre se fala em biomassa. Diferenciamos da seguinte forma: Biomassa = Queima = Energia elétrica; Biogás = Fermentação = Energia Elétrica + Energia Térmica + Biofertilizante + Alimento + Biocombustível + CO2. Se o biogás aparecesse com identidade própria no País seria muito mais fácil fomentar políticas públicas para o nosso setor.

Como está o mercado no Brasil em relação à distribuição dessa energia?  Quais os meios que o país precisa trabalhar para melhorar?

Sabemos que o biogás, por ser energia de base, é a única dentre as energias renováveis capaz de possibilitar sustentação para a descarbonização da matriz energética no Brasil e no mundo. Ele substitui todas as fontes não renováveis como o gás natural, o diesel, gasolina, querosene e todas as outras que produzem os Gases de Efeito Estufa (GEE). É a única renovável capaz de manter um sistema de Smart Grid (redes “inteligentes” de distribuição de energia elétrica) funcionando sem depender de usinas térmicas. Isso possibilita redução de custos e torna o País menos dependente de grandes redes de distribuição de energia. A geração distribuída é a forma mais inteligente de reduzir custos no setor elétrico. Se o país retomar o crescimento, voltando para os mesmos níveis econômicos, de produção e consumo de dois anos atrás, então vamos voltar ao mesmo quadro de estresse do setor elétrico: aumento do custo da energia, problemas de distribuição e maior dependência das usinas térmicas.

O Brasil, querendo ou não, tem que investir em geração distribuída de energia, pois o Sistema Integrado Nacional (SIN) de energia elétrica é imenso. Se não for gerada energia suficiente para manter o sistema funcionando e em condições de atender todo território nacional, coloca em risco o próprio sistema, pois, as chances de apagão aumentam. Hoje o Brasil investe muito em geração de energia renovável intermitente, o que é positivo. Mas se não houver um equilíbrio na geração de energias renováveis com a inclusão do biogás, quanto mais eólico e solar tivermos, seremos mais dependente de usinas térmicas (não renováveis).

Há dois meses, estive em um congresso na Alemanha onde destacaram que, hoje, existe um excesso de energia na rede de até 20 GW, pois, investiram muito em eólica. Quando tem esse excesso no sistema, eles têm que negociar com vários geradores de energia térmica para que estes deixem de produzir, pois senão as empresas eólicas ficariam no prejuízo. Isso aumenta o custo de gerenciamento do sistema, pois todos os contratos de venda de energia devem ser respeitados.

O que possibilita segurança ao sistema de energia elétrica são os contratos, não é energia disponível. Todos devem entregar o que prometeram e, por isso, são remunerados. Se esse excesso gerado pelas fontes intermitentes aumenta, maior será a necessidade de um sistema inteligente para o controle do sistema e consequentemente da negociação entre os geradores. Isso não deixa de ser um grande problema, pois, todos devem fechar a conta no final do ano ou mês a mês. À medida que o Brasil for investindo nessas energias sem uma de base consistente e renovável, vamos ter problemas. O país precisa trabalhar muito mais para aumentar a geração distribuída por meio de um sistema inteligente para sanar esses gargalos.

Quais são as dificuldades na implantação do biogás?

Muitos empresários não conseguem perceber que o biogás pode gerar energia mais barata do que a ofertada no mercado livre. E ainda resolve um problema ambiental para muitas agroindústrias e produtores de alimentos. Quando se compra energia nesse tipo de mercado é preciso lembrar que além do preço da energia tem que pagar a Tarifa de Uso dos Sistemas Elétricos de Distribuição (TUSD) e todos os impostos. A falta de conhecimento sobre a geração de energia por meio do biogás está fazendo com que muita gente deixe de investir no setor. A falta de planejamento por parte do Governo com relação à estratégia de investimento em nossa matriz energética dá medo. O Governo parece não estar preocupado com os problemas que já atingem outros países.

O setor elétrico está muito carente de pessoas com conhecimento técnico e mais abrangente sobre fontes de energia alternativa, principalmente, nos setores responsáveis. A associação, por meio dos seminários, tenta apontar soluções para evitar esses gargalos. Por diversas vezes conversamos e colaboramos enviando informações e demandas para o setor e aos órgãos competentes do Governo. Hoje vemos que muitos empresários não conseguem desenvolver projetos por falta de financiamento, por não terem como cumprir as garantias bancárias. É preciso haver outra modalidade de investimento para a questão do biogás e geração de energia que não dependa tanto dessas garantias. O melhor modelo seria a do Project Finance, em que se cria uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para satisfazer as exigências bancárias. Hoje, o principal problema é a questão do crédito. O produtor que tem de cinco a dez mil suínos e que já fez um investimento pegando dinheiro do banco não tem mais garantias para viabilizar uma nova aquisição. É um ponto delicado, pois estamos deixando de investir em um ponto crucial para o desenvolvimento de qualquer nação, energia e saneamento, de forma sustentável.

A bandeira que utilizamos é tentar ao máximo estabelecer pontos de referências, que são os Capítulos e NPDs (Núcleos de Pesquisa e Desenvolvimento). Estruturamos os núcleos dentro das universidades em diferentes estados brasileiros. Cada unidade, seja Capítulo ou NPD, tem um representante que coordenada e debate os principais pontos do biogás e biometano. A ideia é aumentar o número de colaboradores para que possamos pensar localmente, devido ao tamanho territorial do Brasil. Além do sócio (Pessoa Jurídica), temos o associado de pessoa física atuando em várias áreas do setor. Desejamos ter maior número de interessados envolvidos para converter em uma divulgação mais ampla.

O que a associação pretende para sanar esses gargalos? Quais as principais metas atingidas?

Um dos principais pontos é incentivar e fortalecer a questão estrutural do setor. Disseminar as normas e leis já existentes. Divulgar canais e formas de financiamento. Por exemplo, neste segundo semestre a oferta de crédito parece ser real. Os bancos estão dizendo que possuem dinheiro para financiamento, o que não aconteceu no ano passado quando muitos produtores ganharam o financiamento, mas a verba não apareceu até agora. Na região Sul, os juros são mais altos do que no Centro-Oeste, Nordeste e Região Norte. Precisamos de igualdade de crédito para todos. É necessário investimento e divulgação, além de capacitar os profissionais do setor. Outro ponto, que não sai de pauta é a luta para que o biogás apareça na matriz energética com “identidade própria”. Falta estratégia de investimento em nosso setor. Quando se pensa em energia renovável (solar e eólica) são muito mais simples para investir. Devido à importância do biogás para o País, o Governo deveria estar mais envolvido e comprometido em buscar soluções para que o setor possa se estabelecer e se estruturar de forma definitiva.